Tous les articles par Sofia Boito

são paulo – dia 40 – “Domingo e céu de anil”

Inacreditável pensar que já chegamos no dia 40. Quando tudo começou não sei se algum de nós já se projetava em confinamento pelos próximos 40 dias. Ao mesmo tempo nem me parece que passaram 40 dias. O tempo se estende numa sensação estranha de um único dia. Afinal, o que marca o tempo quando não se há a necessidade social de dividir seu dia em horas, minutos ou segundos?

Eu como quando tenho fome, durmo quando tenho sono, tomo banho quando tenho vontade. Assisto um ou dois ou três filmes de acordo com meu nível de atenção naquele dia. Muitas vezes me assusto ao olhar o relógio: mais tarde do que sinto ou mais cedo do que imaginava. Estou fora do tempo, do compasso, dançando de acordo com meu ritmo interno.

Ontem fui dormir às 3:30 da manhã, hoje acordei 11:30h. E nada disso me pareceu insensato. Ou cansativo. Fiquei até a madrugada cantando, filmando, dançando sozinha… ao som de Raul Seixas, o que me rendeu um bom humor que há tempos eu não sentia. É verdade que não posso deixar de lado o efeito do álcool, que tem uma boa parcela de “culpa” no bem estar desta quarentena.

Em S.O.S Raul canta:
“Hoje é domingo missa e praia , céu de anil
tem sangue no jornal
bandeiras na avenida Zil
Lá por detrás da triste linda Zona Sul
Vai tudo muito bem, formigas que trafegam sem porque
E das janelas desses quartos de pensão
Eu como vetor
Tranquilo, tento uma transmutação….
Oh Oh seu moço do Disco Voador me leve com você para onde você for
Oh Oh seu moço mas não me deixe aqui, enquanto eu sei que tem tanta estrela por aí
Andei rezando para totens e jesus
Jamais olhei pro céu
Meu disco voador além
Já fui macaco em domingos glaciais
Há plantas colossais, que eu não soube como utilizar
E nas menssagens que nos chegam sem parar
Ninguém pode notar, estão muito ocupados para pensar….
Oh Oh seu moço do Disco Voador me leve com você para onde você for
Oh Oh seu moço mas não me deixe aqui, enquanto eu sei que tem tanta estrela por aí…”

Hoje, aqui em São Paulo, é DOMINGO o CÉU é de um AZUL ANIL incrível, uma leve brisa fresca não deixa o dia ser quente demais, não há missa, nem praia, mas tem muito sangue no jornal. Esperançosos, no começo da tarde, que ainda trás otimismo, esses seres humanos todos das janelas dos prédios sonham com a sua transmutação. Algumas meninas cantam aqui do lado, um outro cozinha, as crianças riem e brincam. Cada um encontra a sua salvação, enquanto ela não cai das nuvens.

São Paulo – dia 35

dia 21.04

feriado. Acordei com o barulho da furadeira do vizinho. Não me sinto muito bem – parece que estou expelindo um cálculo renal. A dor não é forte, mas tenho medo de ter que ir a um hospital. Por enquanto, tudo sob controle.

Faz tempos que não escrevo… E eu não sei a razão pela qual não tive mais o impulso de escrever. O fato de ter me acostumado à situação do confinamento? Ou simplesmente por não ter mais novas ideias/situações/ hábitos para relatar?

Mas nesses idas fiquei pensando – e me preocupando – com a flexibilidade do ser humano. É como se fôssemos capazes de nos acostumar a tudo. Cheguei até a me perguntar sore o que vai ocorrer quando sairmos desse confinamento. Haveria alguma “sequela”? Será que, de repente, teremos dificuldade em nos adaptar à vida fora deste confinamento? Como será estar em uma multidão depois disso? O que será do toque alheio? O que sentiremos quando tivermos que nos deslocar pela cidade? Horas a fio nos transportes…. ?

A maioria quer acreditar que assim que as coisas “voltarem ao normal”estaremos sedentos por tudo isso que perdemos… Mas talvez nosso corpo e nosso afeto tenha perdido o costume de receber o “outro”. Tenham-se desacostumado com coisas que antes eram habituais.

Teria algo de irremediável nisso tudo?

são paulo – dia 24

10.04
19:40h

Eu percebi que meu humor muda drasticamente entre o dia e a noite.

O dia normalmente começa bem. Ele é cheio de cor, luz e promessa de vida. Consigo me ocupar. Às vezes trabalho, escrevo, sempre cozinho. Tomo sol.

Mas quando a noite começa a cair… um silêncio estranho se esparrama pela cidade. É um silêncio que não devia estar ali. Um silêncio forçado e triste. Fico perdida. Não sei como agir, andando no apartamento, procurando um pedaço meu que ficou escondido em algum canto que eu nem sei. (O que estaria fazendo e onde estaria, caso isso não estivesse acontecendo?)

E então o escuro se estende como um manto estranho que encobre o mundo de solidão.

são paulo – dia 23

dia 09.04

Fui cedo para a cama e lá fiquei lendo. Estava cansada e sentia que iria dormir cedo. (O que seria ótimo, dado que faz muitos dias que ando dormindo mal). Mas as leituras se transformaram em lágrimas e as lágrimas em melancolia. Saudade. Apesar de não saber exatamente do que. Tentei ligar para o Lucas, mas nossa diferença de horário já é de 05 horas.

Gostaria de ter algo para contar. Mas já não há mais histórias, anedotas ou ideias. Sinto um abismo entre as palavras e as coisas. Despenco neste abismo e tenho vontade de só voltar quando as pontes entre o interior e o exterior forem reconstruídas.

A única coisa que posso afirmar é que a palavra AMOR, de repente, da mais insensata lucidez.

São paulo – dia 18

04.04

Eu queria congelar a tarde nesta sensação clara e fresca de um sábado de férias. Aquele cheiro de quem acabou de sair da água. O corpo úmido e frio, sob o sol. A cerveja gelada no copo, ao lado, sentada em uma cadeira de praia, o céu azul e os sons dignos de um dia em uma cidade litorânea, no verão.

Mas logo me lembro de que estamos confinados em uma quarentena sem fim , e meu ânimo, revigorado, volta a entrar em um silêncio de incertezas.

São paulo – dia 15

01.04

Está difícil escolher leituras. Agora que terminei minhas leituras anteriores estou com dificuldade em começar outras. Soma-se à dificuldade de escolher, a dificuldade de me concentrar. Abri alguns livros, tentei levar algumas frases. Nada vingou.

E, então, um pouco aleatoriamente e intuitivamente, decidi reler o meu livro preferido do final da adolescência: “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”. E me deparei com um trecho magnífico, que fez meu corpo estremecer:

“É tão vasta a noite na montanha. Tão despovoada. A noite espanhola tem o perfume e o eco duro do sapateado da dança, a italiana tem o mar cálido mesmo se ausente. Mas a noite de Berna tem o silêncio.
Tenta-se em vão ler para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo, inventar um programa, frágil ponte que mas nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afinam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo possível. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio? Desse silêncio sem lembranças de palavras. Se és morte, como te abençoar?
É um silêncio que não dorme (…) Ele é vazio e sem promessa. (…)
Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso livro da cabeceira cair no chão. Mas – horror – o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio. O que mais se parecia, no domínio do som, com o silêncio, era uma flauta. (…)
Depois nunca mais se esquece. Inútil fugir até para outra cidade. Pois quando menos se espera pode-se reconhecê-lo – de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra se reconhece o Silêncio. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia – ei-lo.”
(In: “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector)

São paulo – dia 14

31.03

Não sei como o tempo passou, mas ele passou. Este último final de semana foi duro. Diversas crises de choro, com a certeza de que eu estava doente, infectada…

Hoje passei o dia faxinando. Queimei o dedo e percebi que o confinamento poderia ser pior, caso não tomasse cuidado – a casa é cheia de armadilhas. Passei o dia ruminando tudo isso. Não tive vontade nem energia para trabalhar. Não consegui ser disciplinada com a rotina. Quase não entrei em redes sociais.

Foi um estranho silêncio esta terça-feira. Não sabia o que queria fazer: ler um livro, escrever, assistir algo, trabalhar? O que significa trabalhar nesta situação?

Não conseguia nomear meu desejo, e passei a tarde sem rumo ou destino. Derivando na casa como um corpo leve, que se move sem qualquer motivo aparente, apenas com o corpo do vento. Me sentia transparente e vazia. Não consegui escrever a tarde toda.

Agora são 19h e me sentei finalmente em frente à mesa onde fica meu caderno. Tive coragem de abri-lo. A ponta do dedo indicador esquerdo ainda dói – da queimadura – uma enorme bolha protege o local queimado. A bolha é uma maneira do corpo de permitir que a pele se recomponha. Eu tento pensar se essa cicatriz, essa bolha, pode se tornar uma metáfora para algo. Mas não encontro figura de linguagem ou poesia no dia de hoje.

O meu mundo está mudo e surdo.

São paulo – dia 10

Dia 27. 04

Muito tempo em silêncio. Perdi-me nos dias do calendário. Nem posso dizer que tenho a sensação de estar 10 dias assim. Confinada. Perdi a noção dos dias.

Meu cérebro parece cansado de ficar tanto tempo diante de telas – *** pergunta: será que isso fará bem a longo prazo? Talvez depois da epidemia percebamos sequelas de todo esse tempo com os olhos grudados nas telas.

Ontem fui ao supermercado e mais uma vez senti meu coração disparar e as mãos suarem. Quando eu entro naquele ambiente tudo o que eu quero é sair. Tento, depois, seguir à risca todos os protocolos de higiene ao chegar em casa, mas é muito cansativo. Minha cabeça não pára de imaginar todos os pontos do meu corpo que podem ter tocado num local infectado… (ser hipocondríaca durante uma pandemia não é tarefa fácil).

Um bom momento tem sido a cozinha – um dos únicos momentos tranquilos… O problema é que ao estar sozinha tenho que fazer todas as tarefas domésticas – e além de cozinhar todas as refeições, tenho que lavar toda a louça depois.

Estou um pouco cansada.

São Paulo – dia 6

23.03

Resolvi colocar minhas reuniões online no meu grande calendário – que estava destinado a eventos importantes como cursos, apresentações e viagens – ….mas em tempos de quarentena, quem tem uma reunião virtual já é Rei. Estou conseguindo manter uma rotina:

  • De manhã resolvo questões “burocráticas”, escrevo projetos, respondo emails.
  • Tomo sol
  • Perto do horário do almoço faço 40min. de Yoga
  • Almoço
  • Lavo louças
  • Pela tarde leio livros referentes a trabalhos (tento seguir as leituras como se estivesse dando aula e desenvolvendo meus projetos)
  • A noite: ficção!

São Paulo – dia 4

21.03 Hoje resolvi não fazer yoga. Tenho que fazer faxina e sei que essa tarefa já vai tomar tempo e energia. Na verdade estou me sentindo cansada. E com dor de garganta, sem pique para atividades muito físicas. Não sei se me forço (esforço), ou se deixo estar e fico o dia na cama. Dúvidas da quarentena…

No fim Não FIZ FAXINA

Dormi a tarde

Tenho comida para ficar até quarta-feira ou quinta-feira sem sair de casa.

Isso me acalma…

São Paulo – dia 3

20.03

Hoje fui ao supermercado e foi horrível. Fiquei mal. Tive medo e talvez até um pouco de pânico. Sinto que estou mais segura em casa – que horror.

Sigo fazendo meu yoga diário, isso me ajuda a dar uma rotina e permite que não tenha a sensação de estar doente. Agora qualquer tosse me preocupa. De mais. Fico tirando minha temperatura, porque estou com um pouco de dor de cabeça e garganta. Sei que não deve ser anda (fico me repetindo isso), mas como tenho tendências hipocondríacas e passei a tarde assistindo ao jornal…

Lembrete para amanhã: focar na ficção. Entupir-se de ficção.

São paulo- dia 2 – noite

Dia 19.03. Agora já são quase 22h e meu relógio passou despercebido.

Número de aulas preparadas: 0

A boa notícia é que meu ânimo melhorou ao longo do dia. Consegui focar em projetos que quero levar a cabo, e para os quais sempre sobrou pouco tempo. Comecei a ler um romance que parece fantástico, “A nossa alegria chegou”, de Alexandra LucasCoelho, que foi um presente de natal que ganhei do Marcos. A narrativa é cheia de calor e cores. E sexo. Penso que é exatamente desse tipo de narrativa que preciso no momento. A areia quente, o mar, a rede, a maresia e um belo sexo suado.
SOCORRO